quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

The Beatles e o machismo


Quando decidi que iria escrever esse texto, obviamente, minha primeira reação foi pesquisar - ver se alguém já tinha escrito alguma coisa sobre isso e tudo. Fiz isso porque passei os últimos anos achando que os Beatles não tinham letras machistas. Ao ler esse texto, de autoria de Kori Ramos, percebi que eu estava sendo meio ingênua.
E quando digo "meio", não estou tentando me enganar. Faço várias ressalvas às observações que a autora propôs em sua redação, mas tenho de dizer que 1. eu também crio uma áurea de perfeição ao redor da banda e 2. eu não acho que parar de ouvir ou boicotar se aplique. Tem muita gente que faz isso, e é super válido não escutar uma música ou uma banda que vai contra os seus princípios. No final do texto, explico melhor o por que de eu achar que não se aplica.
Bom.
Descobri meu feminismo há um pouco mais de um ano e, desde então, venho exercendo-o normalmente - e, com normalmente quero dizer que exijo igualdade de gênero. Apenas. Não faço piadas e afirmações sexistas e estúpidas e as chamo de feministas. Para entender o que estou falando, sugiro que você visite esse Tumblr aqui.
Quando eu afirmava que os Beatles não eram machistas, logicamente, eu estava fazendo não uma análise das letras sozinha, mas sim dos compositores, do senso de humor de cada um, do contexto histórico e, estava, óbvio, parcialmente cegada pelo minha beatlemania.
Enfim. A autora do texto Beatles e o machismo cita várias músicas de letras que podem ser, sim, consideradas machistas. E ainda por cima muito machistas.
Mas vejam bem.


Para ser sincera, eu sempre achei essa música tão, mas tão surreal, que não levava a sério. A letra é assustadora, ameaçadora e controladora pra caramba, e o próprio John Lennon já declarou que se arrependeu de ter composto essa música. O problema é que eu não ache que essa letra fale sobre discriminação da mulher: ela fala de uma relação doentia entre um casal, sobre um cara extremamente ciumento que ameaça matar a namorada (ex?) se a vir com outro. Mas isso se aplica para ambos os sexos: uma mulher também pode ser doentia e controladora a respeito de um homem e ameaçar matá-lo se o vir com outra, ter pensamentos cruéis e possessivos a respeito de outra pessoa. Isso é um distúrbio mental, gente, é ciúme patológico. A música é doentia, mas chega a ser sexista? Não. A situação da letra é um cara doente infernizando a vida de uma mulher. Você poderia se alongar na interpretação da música e dizer que o homem só trata sua namorada desse jeito porque ela é mulher, e que isso é preconceito de gênero, mas nesse caso você está interpretando algo que não está escrito - existem várias formas de interpretar um texto de forma errada, e essa é uma delas. Poderia também ser uma mulher doente infernizando a vida de um homem.  É a mesma coisa de Every Breath You Take - poderia ser um homem cantando para uma mulher (como é o caso) ou uma mulher cantando para um homem. É uma música sinistra, stalker pra caralho, mas não se caracteriza como discriminação de gênero.
Prova do meu argumento: cover da Nancy Sinatra para Run For Your Life, onde ela inverte os gêneros na letra. E a música continua sendo sinistra.


Eu não consigo ver machismo nenhum nessa música. Mesmo. Acho que, nesse caso, é interpretar algo que não está escrito. O texto fala que o homem trabalha para comprar coisas para a mulher, que ele fica cansado e que quando ele chega em casa ele se sente bem porque a mulher faz coisas para ele. Em momento nenhum você poderia pensar que existe uma relação de interesse, porque isso não é dito nem insinuado. Inclusive penso justamente o contrário, que se ele se sente bem e acha que não deveria se lamentar pelo seu cansaço, a relação deles deve ser boa, ué. Não fala que ela casou com ele para ganhar coisas, não fala que ele pede que ela não trabalhe e fique em casa, não fala que os dois se odeiam e só fazem isso por troca de favores. Fim.


Mesma linha de argumento de Run For Your Life. O cara diz que a menina não pode falar com outros homens porque ele é ciumento, não porque ela é mulher. E o ciúme ainda é de um homem específico ("se eu te pegar falando com esse menino de novo", etc) e do jeito que ela fala com ele. É uma música sobre ciúmes, não sobre machismo. E a análise da letra dá a entender algo mais na linha de "parece que você flerta com ele, todos os meus amigos ririam de mim e eu ficaria constrangido. Por favor pare de falar com ele se não eu vou terminar com você, porque filha, não dou conta" do que "você não pode falar com nenhum homem porque você é minha propriedade". E, assim como em Run For Your Life, também acho que essa música poderia ser cantada por uma mulher para um homem.
Por favor, leiam a tradução que eu disponibilizei para entenderem meu ponto de vista. :)


I'll Cry Instead é mais complicada de analisar. Fala sobre um homem que levou um fora de sua namorada e está magoadíssimo. A música fala sobre vingança - ele diz que quer tentar deixar sua ex-namorada triste e que vai sair por aí partindo corações para mostrar que ele também pode ser mau. Meu argumento aqui é que você pode partir corações de muitas formas sem ser machista. Não necessariamente ele vai usar uma das ditas menininhas apenas para sexo, objetificando-a, e depois largar. E não necessariamente ele deixará de fazer isso: não podemos inferir nenhuma das duas coisas porque a letra não dá essas informações.
Partir corações não é bonito, mas acontece. Planejar isso também não é bonito, mas é um sentimento natural: quando passamos por um término, podemos ter pensamentos ruins e necessidade do sentimento de vingança. Mas isso passa com um tempo. A infelicidade é que o mocinho escolheu um jeito duvidoso de aplicar sua vingança (apesar de que a vingança nunca é plena, mata a alma e envenena, etc).


"Eu era cruel com minha mulher e bati nela
E a mantive longe das coisas que ela amava
Cara, eu era mau mas estou mudando minha cena
E eu estou fazendo o melhor que eu posso"


Getting Better é uma ironia! É uma crítica a esse tipo de comportamento!


Então, esse é o meu ponto de vista a respeito das músicas que a Kori Ramos criticou. Podem existir outras letras dos Beatles que se referem a comportamentos possivelmente machistas, e eu posso refutar as que me pedirem.
Não acho que faça sentido boicotar os Beatles ou parar de ouvi-los porque acho que o papel social deles como banda e como indivíduos, inclusive na luta feminista, teve um saldo mais positivo do que negativo. São quase trezentas músicas. Eu citei apenas cinco e que têm milhares de interpretações, como vocês podem perceber comparando meu texto e o da Kori.
Mesmo que o John Lennon batesse na primeira mulher, a Cynthia, ele tinha um comportamento agressivo com todos (vulgo as especulações sobre se não foi um golpe dele que matou o Stuart Sutcliffe) e mudou muito depois de conhecer a Yoko. A evolução dele é gigantesca e pode ser percebida de milhares de formas.
Como os outros Beatles não parecem estar tão envolvidos em polêmicas pessoais quanto o John, termino o texto com Blackbird, uma música completamente diferente das citadas acima:

Blackbird (Álbum Branco, 1968) foi composta pelo Paul e creditada (como sempre) a Lennon/McCartney. Fala metaforicamente sobre conflitos raciais nos Estados Unidos. O pássaro preto representa a mulher negra, e a letra da música simboliza um apoio para as mulheres negras na época. :)



Por Beatriz Roedel
17 anos, e a mais nova colaboradora do The Beatles is Life.

2 comentários:

  1. Bom, pode ser que algumas letras sejam machistas sim, pelo menos em "You Can't do That". Mas dizer que os beatles eram machistas é meio complicado, tem que pensar na época, no que a sociedade em geral pensava sobre as mulheres. Julgar e criticar alguém que foi criado com esse tipo de raciocínio é algo muito arriscado, mas pelo que vi esse não foi o caso no post da Kori, até pq se comentou depois sobre a mudança desse pensamento antigo (que eles possivelmente tinham) pra algo semelhante aos dias de hoje...infelizmente, eu não conheço nenhum beatle a ponto de dizer a opinião deles, mas acho que eles estavam bem abertos à revolução feminista que foi ganhando mais força depois, enquanto que outros homens daquela época, os vovozinhos de agora, continuam com a mesma idéia de que mulher foi feita para o lar e homem tem que ser o provedor e blablabla rss

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  2. Li o texto da Kori e o seu Beatriz e serio mesmo, concordo bem mais com seu ponto de vista! John nunca escondeu que tinha uma natureza agressiva, mas ele aprendeu a reprimir isso com o tempo e como você disse depois que ele conheceu a Yoko mudou drasticamente, ela veio complementar a mudança que já estava ocorrendo nele há muito tempo alias, quando ele começou a escrever letras mais autobiograficas ele mesmo viu que estava mudando. Faz muito tempo que li a tradução dessas músicas e pensei isso que a Kori expôs em seu texto mas depois, parando para pensar melhor, nada daquelas coisas são ditas nas letras como você diz! Excelente texto Beatriz!

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