segunda-feira, 16 de abril de 2012

Chega ao Brasil livro com a última entrevista de John Lennon



David Sheff tinha 24 anos, um punhado de reportagens no portfólio e uma missão impossível nas mãos: entrevistar John Lennon e Yoko Ono. Ter as palavras do casal mais controverso da virada dos anos 1960 para os 70 era o desafio imaginado pelo editor da revista "Playboy" para aquele repórter iniciante que insistia por uma chance.— Ele me perguntou: "Você acha que consegue?" Eu disse que sim, mas não fazia ideia. Há anos ninguém ouvia falar neles — diz o autor do livro "A última entrevista do casal John Lennon e Yoko Ono" (Nova Fronteira), que está saindo no Brasil.

Desde o lançamento do disco "Rock’n’roll" (1975), Lennon e Yoko haviam se isolado numa propriedade em Long Island, Nova York. Sheff levou meses entre cartas, telefonemas e pistas falsas até que Yoko o recebeu para ouvir sua proposta, no apartamento do casal no edifício Dakota, em Manhattan. Na manhã seguinte, xícaras de capuccino e a mesa de um café eram os únicos obstáculos entre Sheff, Lennon e Yoko. Foram três semanas de contato diário, na cozinha do apartamento ou nos estúdios onde Lennon finalizava as canções de "Double fantasy" (1980) — e também as de "Milk and honey" (1984). Três meses depois, no dia 6 de dezembro de 1980, a reportagem chegava às bancas. No dia seguinte, Yoko telefonava para agradecer. Mais um dia e Lennon era o alvo de quatro tiros à queima-roupa disparados pelo maníaco Mark Chapman.

Passados 32 anos, as 20 horas de gravações armazenadas por Sheff chegam ao Brasil pela primeira vez, e traduzidas na íntegra. Em 290 páginas, a obra, além de ser a mais ampla entrevista com o ex-beatle já publicada, apresenta um Lennon completamente diferente do que se vê em outro registro do tipo, "As lembranças de Lennon" (Conrad), livro-entrevista conduzido pelo fundador da revista "Rolling Stone", Jann Wenner.


Realizada dez anos antes, em 1970, a entrevista de Wenner dava voz a um artista em transição. Lennon havia deixado os Beatles e estava prestes a lançar seu primeiro álbum solo, "Plastic Ono Band" (1970). Entre a crise e a catarse, o que se via era um homem inquieto, duelando visceralmente com seus opostos e disparando petardos contra seus ex-companheiros Paul McCartney e George Harrison, o terapeuta Arthur Janov, o escritor Timothy Leary, o guru espiritual Maharishi, os executivos da Apple, ex-empresários e, é claro, até ele mesmo, sem piedade: "Você deve ser um canalha para chegar lá. É um fato, e os Beatles foram os maiores canalhas do mundo", dizia. Uma década depois, todos esses assuntos voltavam à baila, mas o que Sheff encontra é um homem "contente, caloroso", como recorda, por e-mail.

— Era diferente, não era um cara raivoso e angustiado, e mesmo quando se colocava passionalmente estava sorrindo, brincando — diz Sheff. — Depois de uma vida inteira "perseguindo ilusões", como ele dizia, procurando preencher seu vazio com fama, dinheiro, poder e devassidão, ele encontrou satisfação no último lugar que podia imaginar, em casa, como pai de família.

Entre caminhadas no Central Park e a sala de estar do apartamento, decorado com obras de Andy Warhol, um sarcófago, um trampolim e o famoso piano branco usado para compor "Imagine", este Lennon efetivamente — e não só intencionalmente — mais pacífico, prestes a completar 40 anos, não deixa de oferecer ao interlocutor brilhantes considerações sobre música, cultura e política, em reflexões simples mas de alto teor filosófico.



Após uma ativa militância pela paz mundial entre os anos 1960 e 70, em manifestações como a célebre entrevista na cama de um hotel e o "Concerto pela Paz" em Toronto, no Canadá, além de canções como "Give peace a chance", Lennon retoma o assunto e analisa as raízes da violência sem receio de expor o seu lado mais cruel: "Eu brigava com os homens e batia nas mulheres. É por isso que estou sempre pregando a paz. São sempre as pessoas mais violentas que pregam o amor e a paz. Tudo é o oposto. Mas, sinceramente, eu acredito no amor e na paz. Eu sou um homem violento que se arrepende da própria violência", diz.

Em outro trecho, ele reflete premonitoriamente sobre seu próprio destino: "Gandhi e Martin Luther King são exemplos de fantásticas personalidades não violentas que morreram de forma violenta. Somos pacifistas, mas não sei o que significa ser tão pacifista a ponto de levar um tiro. Jamais conseguirei entender", diz.

Sheff tece considerações:
— Lennon carregou uma mensagem real de paz, em nível global e pessoal — diz. — Mas terminou como os outros, brutalmente assassinado. Ele não entendia como homens que só pregam a paz podem morrer violentamente, e isso é algo que até hoje eu não entendo.
Entrevistado num momento em que sua carreira longe dos Beatles já havia se consolidado, Lennon faz, no livro, comparações sobre as duas fases da trajetória artística. Também explica a origem de clássicos e as diferenças entre as suas canções e as de McCartney.

— Ele dizia que Paul era um contador de histórias que mirava na superfície das coisas — diz Sheff. — John ia mais fundo, tentava entender, construir sentidos para que pudesse comunicar algo mais humano. Ele respeitava Paul, mas deixava claro que não acreditava em "Yesterday".
Mirando o futuro, Lennon sentia-se recomeçando a carreira. Não à toa, "Starting over" ("Começando de novo") era a faixa de abertura de "Double fantasy":

— Era um recomeço, ele estava voltando, mas em vez de gritar a sua dor, ele tinha histórias para contar, sobre uma transformação pessoal. Ser pai havia, definitivamente, mudado e preenchido a sua vida.

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