quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Conhecendo os Beatles com as Meninas Super Poderosas

A maioria dos ouvintes do Rock pode compartilhar um pensamento: “não se fazem mais bandas como antigamente”. Pois é… Aproveitando o ensejo, também deixo um desabafo: não se fazem mais desenhos como antigamente. Para quem não sabe, sou um amante da animação. Inclusive tenho um lado de animador frustrado e uma pós-graduação trancada no ramo, mas isso não vem ao caso. O que é importante lembrar é o quão estamos carentes de desenhos inteligentes atualmente. Nossas crianças, infelizmente, não são tão afortunadas quanto aquelas que nasceram nos anos 80 e 90. Se você, como eu faz parte desse grupo, embora não tenha tido a sorte de acompanhar a Era de Ouro do Rock, pode encontrar consolo por ter acompanhado a Era de Ouro dos Desenhos Animados.

Uma das fontes mais importantes de animação inteligente dos anos 90 foi o canal Cartoon Network. Quem cresceu naqueles anos pode sentir saudade do Johnny Bravo, do Laboratório de Dexter e do desenho sobre o qual falarei hoje: As Meninas Super Poderosas. Mas você me pergunta: Andarilho, por quê, cazzo, falar de um desenho de meninas num blog de Rock N Roll? Apesar dessa série não ser só para meninas, a resposta é fácil: há um episódio desse desenho feito exclusivamente para beatlemaníacos. Não acredita? Então apresento-lhe agora o episódio “Conhecendo os Beat-Alls” (Meet the Beat-Alls, no original). Atenção: spoilers à seguir. Se você quer ver o episódio antes, clique aqui.
Antes de começar nossa viagem audiovisual por esse desenho sensacional, vale situar o leitor que não ainda não conhece As Meninas Superpoderosas. Essa série animada foi criada por Craig McCraken para o Cartoon Network e dirigida por Genndy Tartakovsky, uma das mentes mais criativas no ramo da animação atual, também responsável pelo genial Samurai Jack. Resumidamente, a série conta a história de três garotas criadas por um cientista que ganham superpoderes e passam a defender sua cidade das forças do mal. Tudo isso é apenas um pretexto para situações cômicas e inusitadas envolvendo a luta de heróis contra vilões com muita ironia e sátiras inteligentes.
No episódio que apresentarei hoje, quatro dos principais inimigos das Meninas resolvem se unir para destrui-las. Antes, quando tentavam fazê-lo separadamente, nunca obtiam sucesso. Uma vez unidos, o quarteto descobriu que é capaz de dominar o mundo. Logo eles se auto-entitulam, os Beat-Alls (pronuncia-se igual Beatles, mas em tradução livre seria como “Batem-em-Todos”).


Na foto acima você vê uma alusão à capa de “With the Beatles” (1963), segundo disco do grupo inglês, com uma foto clássica do quarteto mostrado contra a luz. Engraçado notar que é o Macaco Louco quem faz o papel do John Lennon no desenho e é ele quem define o nome do grupo, assim como ocorreu na história real da banda.

Logo o grupo atinge o ápice de seu sucesso no mundo do crime. Um narrador passa a descrever a situação atual da cidade com “garotas gritando”, numa referência às meninas que tanto ovacionavam os Beatles em seus shows. Na foto acima, mais uma referência ao FabFour, com a lendária foto do disco “Abbey Road” (1969), com os quatro beatles atravessando a rua de mesmo nome.


Se o Macaco Louco é considerado John Lennon, o Fuzzy Confusão (esse bicho rosa) é uma sátira ao baterista Ringo Starr. Enquanto todos os demais integrantes soltam raios poderosíssimos nas heroínas, Fuzzy atira uma pedra grotescamente. Apesar de simplório, esse vilão também é essencial ao sucesso do grupo criminoso. Durante o episódio todo são feitas piadas sobre sua capacidade no quarteto em referência à perseguição que Ringo Starr sofreu – e ainda sofre – por ter tido ao seu lado, outros três gênios como George Harrison, Paul McCartney e John Lennon. Em uma das cenas em que Fuzzy atira sua pedra, o quarteto está na sacada de um prédio, como na foto acima, um remake da capa do primeiro disco dos Beatles, “Please Please Me” de 1963.


Uma das cenas mais engraçadas do episódio é quando o grupo invade um show e agride a banda que se apresentava. E quem tocava eram ninguém menos que os Beatles verdadeiros! Macaco Louco ainda aproveita e solta uma pérola similar à que John Lennon disse em um dos shows do grupo: “Vocês que estão nas arquibancadas, podem ir embora. E vocês aqui da frente podem passar as jóias”. Originalmente, Lennon disse: “Os que estão nos lugares baratos batam palmas. Os da frente chacoalhem suas jóias”.



Mais uma capa homenageada. Agora o terceiro disco, “A Hard Day’s Night” de 1964 ilustra o auge da beatlemania, ou o auge dos crimes cometidos pelo quarteto do mal. Outras curiosidades ocorrem quando eles assaltam um banco e a princesa diz: “Você diz pare, mas eu digo vai, vai, vai!”, refrão da canção Hello Goodbye e Macaco Louco diz: “Agora me dê dinheiro, é o que eu quero”, refrão da excelente Money.


Como as heróinas superpoderosas não estão dando conta do recado, a polícia é chamada pra esclarecer o que se passa. Os beatlemaníacos logo irão notar a semelhança do policial acima com o Sargento Pimenta ilustrado no disco “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band” (1967). O personagem solta uma frase da música Help! que diz: “Socorro! Precisamos de alguém. Socorro! Mas não é qualquer um”. O narrador desse trecho é um repórter que encerra sua transmissão dizendo: “Será que as Meninas se foram? O futuro ninguém pode dizer. Mas a vida continua”, dois versos de Tomorrow Never Knows e Ob-la-di Ob-la-da, respectivamente.


Agora vem a cena de maior deleite para os beatlemaníacos. O Professor – criador e pai das Meninas – dá um belo discurso motivacional para que elas criem coragem para enfrentar o quarteto. Suas falas são recheadas de músicas dos Beatles. É quase um orgasmo sonoro pra quem conhece bem a banda e vale a pena ser vista em sua versão original em inglês. Algumas das canções citadas para compôr esse belo diálogo são A Day in the Life (ele diz: “Eu li as notícias de hoje, garotas”), Yesterday (“ontem, nossos problemas pareciam tão distantes”), Eight Days a Week (“vocês não podem ficar escondidas aqui oito dias por semana”), além de I’m Only SleepingYou Can’t do ThatLucy in the Sky With Diamonds, With a Little Help From My Friends e o conselho final com Do You Wanna Know a Secret? (“vocês querem ouvir um segredo?). Tal conselho será o responsável pela vitória das garotas.


Essa cena também é uma belíssima e engraçadíssima homenagem a John Lennon. Quando o líder dos Beatles conheceu Yoko Ono, sua futura esposa, ele disse que foi fisgado por ela em uma mostra de arte organizada pela artista japonesa. A arte que chamou atenção do músico foi uma escada, por onde a pessoa subia e encontrava uma lupa pendurada no teto. Com a ajuda da lupa era possível ler a palavra “Sim” impressa no teto. Lennon disse que ler essa palavra foi essencial para que ele se apaixonasse por Yoko. No nosso desenho em questão, a frase que Macaco lê no teto é: “Isso é um assalto”. Obviamente, o vilão se apaixona de imediato por Moko Jono e solta a frase: “Preciso ter você em minha vida” (Got to Get You Into My Life). Logo o Macaco avisa os colegas que, a partir dali, sua companheira fará parte do grupo – ato semelhante realizado por John e um dos fatores definitivos na futura ruptura da banda. Um dos planos de Moko Jono é fazer o grupo deitar numa cama no meio de um cruzamento para atrapalhar o trânsito, ato que ela chama de “Crime Irritante Nº9″, em alusão à bizarra canção Revolution 9 do “White Album” (1968), além do famoso Bed-In realizado pelo casal em sua Lua-de-Mel.


A macaca permanece boa parte do desenho gritando. Isso é mais uma sátira à Yoko Ono que, ao que dizem, gravou alguns discos experimentais cheios de gritos no mínimo curiosos – para não dizer irritantes. Nessa cena, os gritos da macaca incomodam todos da cidade. Dentre os que sofrem com o barulho estão os próprios Beatles, dessa vez em sua versão animada para o filme “Yellow Submarine”, de 1968. Na foto acima, Ringo e George tapando seus ouvidos.


Engraçado notar também que, após conhecer sua companheira, Macaco Louco passa a se vestir unicamente de branco, exatamente como John Lennon. Em outra piada interessante, o Macaco tenta persuadir o grupo a roubar apenas intens brancos, uma sátira à quase obsessão de Lennon com a cor.


Com o Macaco apaixonado, as garotas então conseguem separar o grupo e derrotam os outros três. O Macaco logo avista nos jornais “aqui, ali, em todo lugar” (canção Here, There and Everywhere) que os Beatles terminaram. Quando as Meninas encontram o Macaco e sua amada é hora do golpe final. Elas chamam: “Hey Jude” e a personagem Jude aparece, revelando-se a criadora do Zoológico, responsável pela macaca – que é na verdade uma espiã chamada Michelle (nome de uma canção do disco “Rubber Soul”, 1965) que ajudou a romper a união do grupo. Aqui há espaço para, talvez, a piada mais beatlemaníaca do episódio: uma das heróinas diz: “Michelle não é uma macaca comum, ela também é artista e toca piano”. Nisso Jude diz em tom lamentoso: “É, mas um dia os macacos não tocarão músicas ao piano, músicas ao piano”. A cena acaba aí. Essa frase pode parecer totalmente desconexa, mas se ouvida em inglês soa como: “Someday monkeys won’t play piano song, play piano song”, uma clássica piada com a canção Michelle de Paul McCartney, no trecho em que ele diz em francês: “Sont des mots qui vont tres bien ensemble, tres bien ensemble”. Tente ouvir a canção e pensar na frase em inglês. Você nunca mais escutará essa música do jeito certo!
E assim o desenho encerra-se com mais uma vitória das Meninas Superpoderosas sobre o crime e as forças do Mal. O narrador ainda lança um trecho de Sgt. Peppers com os versos iniciais da música: “Eu não gostaria de encerrar o show, mas acho que vocês gostariam de saber que mais uma vez o dia foi salvo!”


Caso você nunca tenha visto esse desenho, não hesite em clicar aqui e assisti-lo na íntegra no Youtube. Vale a pena, mesmo que você não se sinta mais na idade de assistir desenhos. Lembre-se que desenho, assim como filmes e como a música, é uma arte. E arte, quando feita com amor só faz bem ao espírito. Caso você tenha um bom nível de inglês, é mais que recomendado que assita o episódio em seu idioma original. E vale lembrar que, além dessas referências citadas aqui, ainda há muitas e muitas outras – visuais e sonoras – ao longo do episódio. É um prato cheio para qualquer beatlemaníaco ou amante do Rock!
Antes de encerrar nosso Especial vale a reflexão: que banda na história do mundo teria material e admiração suficientes pra receber uma homenagem desse tipo? É por essas e outras que Beatles é insuperável. E que desenho, hoje em dia, teria conteúdo cultural de um nível como esse? É por essas e outras que encerro esse texto com o mesmo desabafo com que o iniciei: não se fazem mais bandas e desenhos como antigamente ;)


Um comentário:

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